A
Soberania de Deus e a Oração
Arthur W. Pink
Se pedirmos
alguma cousa segundo a sua vontade, ele nos
ouve.
1 João 5.14
Por todo este livro, nosso principal propósito tem sido exaltar o
Criador e humilhar a criatura. A tendência quase universal hoje em dia é a de
magnificar o homem e desonrar e degradar a Deus. A todo instante verifica-se
que, quando os assuntos espirituais estão sendo debatidos, os homens insistem
sobre o lado e o elemento humanos; e o lado divino, quando não é totalmente
ignorado, é relegado a segundo plano. Isso se aplica a considerável parcela dos
ensinamentos modernos concernentes à oração. Na grande maioria dos livros
escritos e dos sermões pregados acerca da oração, o elemento humano domina o
cenário quase completamente; fala-se das condições que nós devemos preencher, das promessas que nós devemos “reivindicar”, das coisas que nós devemos fazer, para que os nossos
pedidos sejam atendidos, mas as exigências de Deus, os direitos de Deus, a glória de Deus são freqüentemente deixados de lado.
Como exemplo típico do que está sendo divulgado hoje em dia,
submetemos ao leitor um breve editorial (intitulado “Oração ou Fatalidade?”)
que apareceu recentemente em um importante semanário religioso.
Deus, em sua soberania, ordenou que os destinos dos homens possam
ser modificados e moldados pela vontade do homem. Este é o âmago da verdade de
que a oração muda as coisas, ou seja, que Deus muda as coisas quando os homens oram. Alguém
expressou isso de maneira admirável, nos seguintes termos: “Há certas coisas
que sucederão na vida de um homem, quer ele ore, quer não. Há outras coisas que
acontecerão se ele orar e que não acontecerão se ele não orar”. Um cristão
ficou de tal modo impressionado com essas afirmações, que, ao entrar em um
escritório comercial, orou que o Senhor lhe desse a oportunidade de falar sobre
Cristo a alguém, tendo em vista que as condições seriam favoráveis devido à sua
oração. Então, sua mente se ocupou com outras coisas e acabou esquecendo-se de
sua oração. Teve a oportunidade de falar de Cristo ao negociante com o qual
estava conversando, mas não aproveitou a ocasião, e somente quando saía é que
lembrou-se da oração e da resposta divina. Ele prontamente voltou e começou a
conversar com o negociante, o qual, apesar de ser membro de uma igreja
evangélica, nunca havia sido inquirido se era salvo ou não. Dediquemo-nos à
oração, abrindo assim o caminho para que Deus mude as coisas. Cuidado para que
não sejamos virtualmente fatalistas, deixando de exercer, através da oração, as
disposições que nos chegam da parte de Deus.
Essa citação ilustra o que hoje em dia se ensina sobre o tema da
oração; e o mais deplorável é que dificilmente uma voz se levanta em protesto.
Dizer que “os destinos dos homens podem ser mudados e moldados pela vontade do homem”
é crassa heresia; não há outra maneira de descrever tal aberração.
Se alguém contestar essa classificação, nós o desafiamos a descobrir qualquer
descrente que não concorde com ela, e estamos certos de que nenhum será
encontrado. Dizer que “Deus ordenou que os destinos dos homens podem ser mudados e moldados pela vontade
do homem” é algo completamente falso. O destino humano é decidido, não pela “vontade do homem”, e, sim, pela
vontade de Deus. O que determina o destino do homem é se o homem nasceu de novo
ou não, porquanto está escrito: “Se alguém não nascer de novo, não pode ver o
reino de Deus” (Jo 3.3). E qualquer dúvida, se é a vontade de Deus ou a vontade
do homem a responsável pelo novo nascimento, é esclarecida, de forma
inequívoca, em João 1.13: “Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. Dizer que o destino humano pode ser mudado pela vontade do homem é tornar suprema a vontade da criatura, o que virtualmente significa destronar a Deus. Mas, que dizem as
Escrituras? Que elas respondam: “O SENHOR o que tira a vida e a dá; faz descer
à sepultura e faz subir. O SENHOR empobrece e enriquece; abaixa e também
exalta. Levanta o pobre do pó e desde o monturo exalta o necessitado, para o
fazer assentar entre os príncipes, para o fazer herdar o trono de glória” (1 Sm
2.6-8).
Voltando ao editorial citado anteriormente, lemos: “Este é o âmago
da verdade de que a oração muda as coisas, ou seja, que Deus muda as coisas
quando os homens oram”. Em quase todos os lugares para onde se vai, hoje em
dia, vêem- se cartazes com a seguinte declaração: “A Oração Muda as Coisas”. O
significado que se quer emprestar a essas palavras vê-se com clareza na atual
literatura sobre a oração — nós temos de persuadir Deus a mudar o seu propósito. Quanto a isso, adiante diremos mais alguma coisa.
Diz-nos ainda o editorial: “Alguém expressou isso de maneira
admirável, nos seguintes termos: ‘Há certas coisas que sucederão na vida de um
homem, quer ele ore, quer não”. Que certas coisas sucedem, quer a pessoa ore,
quer não, é diariamente exemplificado na vida dos não-regenerados, e a maior
parte deles nunca ora. Mas a afirmativa de que “Há outras coisas que
acontecerão se ele orar” precisa ser definida. Se um crente orar com fé e pedir
coisas que estão de acordo com a vontade de Deus, certamente obterá aquilo que
pediu. Da mesma forma, que outras coisas acontecerão se ele orar também é
verdade no que diz respeito aos benefícios resultantes da oração: Deus se
tornará mais real para quem orar, e suas promessas tornar-se-ão mais preciosas.
Que outras coisas “não acontecerão se ele não orar” é verdadeiro quanto vida da
própria pessoa — vida sem oração é uma vida desfrutada sem a comunhão com Deus
e com tudo quanto está envolvido nessa falta de comunhão. Porém, afirmar que,
se não orarmos, Deus não cumprirá o seu eterno propósito é incorrer em grande
erro, porque o mesmo Deus que decretou os fins também decretou os meios pelos
quais suas finalidades serão alcançadas; e um desses meios é a oração. Quando
Deus determina conceder uma bênção, também outorga o espírito de súplica que Lhe solicita essa mesma bênção.
O exemplo citado no editorial (o caso do obreiro e do negociante)
é muito infeliz. Segundo os termos da
ilustração, a oração do obreiro não foi respondida de modo algum, visto que,
conforme parece, não foi aberto o caminho para este falar ao
negociante acerca de
sua alma. Entretanto,
quando já deixava
o
escritório, ao lembrar-se da oração feita, o obreiro (talvez por
motivo carnal) resolveu responder a oração por si mesmo e, ao invés de permitir que o Senhor lhe “abrisse a oportunidade”,
tomou o caso em suas próprias mãos.
Citamos agora um trecho de um dos últimos livros publicados sobre a
oração, no qual o autor declara: “As
possibilidades e a necessidade da oração, seu poder e seus resultados se
manifestam no refrear e alterar os propósitos de Deus e no aliviar o impacto do seu poder”. Uma afirmação tal como esta é
uma horrível consideração sobre o caráter do Deus Altíssimo, o qual, “segundo a
sua vontade.., opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem
lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35). Não há a mínima necessidade de Deus modificar os
seus desígnios ou alterar os seus propósitos, e isso por uma razão mais do que
suficiente: foram elaborados sob a influência de perfeita bondade e de
infalível sabedoria. Os homens podem ter motivos para alterarem os seus propósitos, porquanto, em
sua pequena capacidade de ver as coisas, são incapazes de antecipar o que pode
suceder depois de traçados
os seus planos. Com Deus, entretanto, não é assim, pois Ele conhece o fim desde
o princípio. Afirmar que Deus altera os seus propósitos ou é impugnar a sua
bondade, ou é negar a sua eterna sabedoria.
No mesmo livro, lemos ainda: “As orações dos santos de Deus são o
patrimônio, no céu, por meio do qual Cristo leva adiante a sua grande obra
sobre a terra. Os grandes espasmos e as poderosas convulsões que há na terra
resultam dessas orações. O mundo é alterado, revolucionado; os anjos se
movimentam com vôos mais poderosos e mais rápidos; a política de
Deus é moldada na medida em que as orações se
tornam mais numerosas, mais eficientes”. Se possível, esse trecho é ainda pior que o anterior, e não hesitamos
em declarar que foi escrito em desafio ao ensino bíblico. Em primeiro lugar,
nega diretamente Efésios 3.11, que se refere ao “eterno propósito” de Deus. Se
o propósito de Deus é eterno, segue- se que sua “política” não está sendo “moldada” em nossos dias.
Segundo, contradiz o trecho de Efésios 1.11, o qual declara expressamente que
Deus “faz todas as cousas conforme o conselho da sua vontade”. Segue-se, pois,
que a “política de Deus” não está sendo “moldada” pelas orações dos homens. Terceiro, uma
asserção como essa dá posição de supremacia à vontade da criatura humana,
porque, se as nossas orações
moldam a política de Deus, então o Altíssimo está subordinado aos vermes da terra. Com
exatidão perguntou o Espírito Santo, através do apóstolo: “Quem, pois, conheceu
a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro?” (Rm 11.34).
Os pensamentos mencionados acima, sobre a oração, são frutos de
conceitos mesquinhos e inadequados quanto à pessoa de Deus. Deve ser óbvio que
pouco ou nenhum consolo se pode alcançar em orar a um Deus que é como um
camaleão, que muda diariamente de cor. Que encorajamento poderia haver em
elevarmos diariamente o coração a um ser cuja atitude de ontem já não é a de
hoje? Que vantagem haveria em mandarmos uma petição a um monarca terreno, se
soubéssemos ser ele tão mutável, que atende petições em um dia, somente para
revogá-las no dia seguinte? Não é a imutabilidade de Deus nosso maior encorajamento para orarmos? Visto que Deus não sofre “variação ou sombra de mudança” temos a
certeza de que seremos ouvidos. Mui correta foi a observação de Lutero: “Orar
não é vencer a relutância de Deus, mas é apropriar- se do beneplácito dEle”.
Isso nos leva a fazer algumas observações quanto ao desígnio da oração. Por que ordenou Deus que orássemos? A vasta maioria das pessoas
responderia: a fim de obtermos de Deus
as coisas que necessitamos. Mas, embora este seja um dos propósitos da oração,
não é o principal, sob hipótese alguma. Além disso, esse ponto de vista
considera a oração somente pela perspectiva humana, quando há tremenda
necessidade de considerá-la pelo lado divino.
Examinemos, portanto, algumas das razões por que Deus nos mandou que orássemos.
Em primeiro e máximo lugar, a oração foi instituída para que o
próprio Senhor Deus seja honrado. Deus requer que reconheçamos que Ele é, de fato, “o Alto, o
Sublime, que habita a eternidade” (Is 57.15). Deus requer que reconheçamos o
seu domínio universal. Quando Elias orou para que chovesse, reconheceu que Deus exerce
controle sobre os elementos da natureza; ao orarmos que Deus liberte um
miserável pecador da ira vindoura, reconhecemos que “ao SENHOR pertence a
salvação!” (Jn 2.9); ao suplicarmos que Ele abençoe a pregação do evangelho até
aos confins da terra, declaramos que Ele é quem rege o mundo inteiro.
Além disso, Deus requer que O adoremos.
A oração, a verdadeira oração, é um ato de adoração. Assim é, pois a oração
consiste em prostrar-se a alma perante Ele; a oração é o invocar o grandioso e
santo nome de Deus; a oração é o reconhecimento da bondade, do poder, da
imutabilidade e da graça de Deus; também é o reconhecimento da soberania
divina, confessada quando nossa vontade se submete à dEle. E de elevada
significação notarmos, a esse respeito, que Cristo não chamou o templo de
Jerusalém de Casa de Sacrifício, e, sim, de Casa de Oração.
Igualmente, a oração redunda
na glória de Deus, pois, ao orarmos, reconhecemos que dependemos dEle. Ao
dirigirmos humildemente as nossas súplicas a Deus, nos entregamos ao seu poder
e à sua misericórdia. Ao buscarmos bênçãos da parte de Deus, reconhecemos que
ele é o Autor e a Fonte de toda boa dádiva e todo dom perfeito. Que a oração
glorifica a Deus também se vê no fato
que ela promove o exercício da fé. E nada, da nossa parte, honra e agrada tanto
a Deus como a confiança que Lhe votam os nossos corações.
Em segundo lugar, a oração foi designada por Deus a fim de ser uma bênção espiritual para nós, um meio para o
nosso crescimento na graça. Quando procuramos entender o desígnio da oração, isso deve sempre nos impressionar, ao invés de
considerarmos a oração como um mero instrumento pelo qual obtemos o suprimento
de nossas necessidades. A oração foi planejada por Deus para nos humilhar. A oração autêntica consiste em
chegarmos à presença de Deus, tendo consciência de sua sublime majestade, o que
produz em nós o reconhecimento de nossa insignificância e indignidade. Também,
a oração foi destinada por Deus para o exercício de nossa fé. A fé é gerada pela Palavra (Rm 10.17), mas é exercida
quando oramos. Por isso é que lemos sobre a “oração da fé”. Da mesma forma, a
oração aciona o amor. No
tocante ao hipócrita, indaga- se: “Deleitar-se-á o perverso no Todo-poderoso e
invocará a Deus em todo o tempo?” (Jó 27.10). Porém, os que amam o Senhor não
podem ficar muito tempo longe dEle, porque se deleitam em falar-Lhe dos seus pesares. Além de despertar nosso amor, as
respostas diretas, concedidas às nossas preces, incrementam nosso amor a Deus:
“Amo o SENHOR, porque ele ouve a minha voz e as minhas súplicas” (Sl
116.1). E há mais: a oração foi designada por Deus para nos ensinar o valor das
bênçãos que procuramos da parte dEle, o que nos dá ainda maior regozijo,
quando Ele nos concede aquilo que pedimos.
Em terceiro lugar, a oração foi designada por Deus a fim de que procuremos, da parte dEle, as coisas de que
precisamos. Mas, pode surgir aqui uma dificuldade para quem leu cuidadosamente
os primeiros capítulos deste livro. Se Deus predestinou tudo quanto acontece na
história, desde antes da fundação do mundo, qual é a utilidade da oração? Se é
verdade que “dele, e por meio dele, e para ele são todas as cousas” (Rm 11.36),
então, por que orar? Antes de respondermos diretamente a essas perguntas, devemos
salientar que há um justo motivo para a indagação: Qual é a utilidade de
chegar-se alguém a Deus para dizer-Lhe aquilo que Ele já sabe? Para que eu Lhe
apresentaria a minha necessidade, se Ele já tem conhecimento do que preciso? E
também há motivos para a objeção: Qual é o valor da oração por alguma coisa, se
tudo já foi predestinado por Deus? A oração não tem o propósito de dar
informações a Deus, como se Ele ignorasse as coisas. O Salvador declarou
expressamente: “Porque Deus, vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes
que lho peçais” (Mt 6.8). A finalidade da oração é expressar a Deus nosso
reconhecimento pelo fato que Ele já sabe aquilo que necessitamos. A oração
jamais se destinou a proporcionar a Deus o conhecimento daquilo que precisamos;
antes, visa a ser o meio de Lhe confessarmos nosso senso da necessidade que
temos. Nisto, como em tudo o mais, os pensamentos de Deus não são os nossos
pensamentos. Deus requer que as suas dádivas sejam buscadas. Seu desígnio é ser
Ele honrado através
de nossas petições e ser Ele o alvo de nossa gratidão, depois de haver concedido as bênçãos que buscávamos.
Entretanto, a pergunta ainda exige resposta: Se Deus predestinou
tudo quanto sucede e regula todos os acontecimentos, não será a oração um
exercício sem nenhum proveito? Uma resposta suficiente para essa pergunta é o
fato que Deus nos manda orar: “Orai sem cessar” (1 Ts 5.17). E também temos “o dever de orar sempre e nunca esmorecer”
(Lc 18.1). E mais ainda, as Escrituras declaram que “a oração da fé salvará o
enfermo”, e também: “Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tg
5.15,16). E o Senhor Jesus Cristo — nosso perfeito exemplo em todas as coisas —
foi, preeminentemente, um homem de oração. E claro, pois, que a oração não é
sem significado e poder. Mas isso ainda não remove a dificuldade nem responde à pergunta em foco. Qual é, pois, a relação entre a soberania divina e a prece feita por um crente?
Em primeiro lugar, diríamos enfaticamente que a oração não tem a finalidade de alterar os desígnios
de Deus, nem de movê-lo a formular novos propósitos. Deus já decretou que
certas coisas hão de suceder, mas também decretou que sucederão através dos
meios que Ele mesmo determinou para levá-las a efeito. Deus escolheu certas
pessoas para a salvação, mas também decretou que sejam salvas através da
pregação do evangelho. O evangelho, pois, é um dos meios determinados para a
concretização do conselho eterno do Senhor. A oração é outro desses meios. Deus
decretou os fins, mas igualmente os meios, e entre esses está a oração. Até as
orações do seu povo fazem parte dos seus decretos eternos. Portanto, longe de
serem vãs, as orações são instrumentos, entre
outros, por meio dos quais Deus cumpre os seus decretos. “Se, na
verdade, tudo
sucede pelo cego acaso ou por necessidade fatal, não haveria
qualquer eficácia moral nas orações, e nenhuma utilidade; mas, sendo reguladas
pela orientação da sabedoria divina, as orações têm um lugar na ordem dos
acontecimentos” (Haldane).
As Escrituras ensinam claramente que as orações em favor das coisas decretadas por Deus não são destituídas de significado. Elias sabia que Deus estava prestes a conceder
chuva, mas isso não o impediu de dedicar-se à oração. Daniel entendeu, pelos
escritos dos profetas, que o cativeiro não haveria de durar mais de setenta
anos. Mas, quando esse período já chegava ao fim, a Bíblia relata que ele voltou o “rosto ao
Senhor Deus, para o buscar com oração e súplicas, com jejum, pano de saco e
cinza” (Dn 9.2,3). Deus disse ao profeta Jeremias: “Eu é que sei que
pensamentos tenho a vosso respeito, diz O SENHOR, pensamentos de paz e não de
mal, para vos dar o fim que desejais”. Porém, ao invés de acrescentar que não
havia nenhuma necessidade do profeta solicitar essas coisas, determinou-lhe:
“Então me invocareis, passareis a orar a mim, e eu vos ouvirei” (Jr 29.11,12).
Lemos também, em Ezequiel 36, evidentes, positivas e incondicionais
promessas feitas por Deus quanto à futura restauração de Israel. Todavia, o
versículo 37 declara: “Assim diz O SENHOR Deus: Ainda nisto permitirei que seja eu solicitado pela casa de Israel,
que lhe multiplique eu os homens como rebanho”. Eis, pois, o desígnio da oração: não para que seja alterada a vontade do Senhor, mas, antes,
para que seja ela cumprida, dentro do prazo e dos meios estabelecidos por Ele. Visto que Deus prometeu certas coisas, podemos pedi-las
com plena certeza de fé. Faz parte do propósito de Deus que sua vontade se
realize através dos meios por Ele determinados e que possa Ele fazer o bem
a seu povo, segundo as suas condições, a
saber, pelos “meios” e “condições” da petição e da súplica. Porventura o Filho
de Deus não sabia com
certeza que depois de sua morte e ressurreição seria exaltado pelo Pai? Certamente o sabia. Contudo, Ele pediu exatamente isso: “E agora,
glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes
que houvesse mundo” (Jo 17.5)! Não sabia Cristo que nenhum dos seus poderia
perecer? Mas, apesar disso, pediu ao Pai que os guardasse (Jo 17.11)!
Finalmente, deve-se dizer que a vontade de Deus é imutável, não
podendo ser alterada por nossos clamores. Quando a mente divina não se inclina
a fazer o bem a determinado povo, a vontade dEle não pode ser alterada através
das mais fervorosas e importunas orações, até mesmo daqueles que desfrutam da
maior comunhão com ele — “Disse-me, porém, o SENHOR: Ainda que Moisés e Samuel
se pusessem diante de mim, meu coração não se inclinaria para este povo; lança-os
de diante de mim, e saiam” (Jr 15.1). A oração de Moisés para entrar na Terra
Prometida é um caso semelhante.
Nossos pontos de vista sobre a oração carecem de revisão para se
harmonizarem com os ensinos das Escrituras, quanto a esse aspecto. Parece que a
idéia que atualmente prevalece é esta: apresento-me a Deus para pedir algo que quero e passo a ter a
certeza de que Ele me dará aquilo que Lhe pedi.
Porém, essa é uma idéia que avilta e degrada a Deus. As crenças
populares reduzem Deus à
função de servo,
nosso
servo
— cumprindo nossas ordens,
executando nossa vontade, atendendo nossos desejos. Não! Orar é vir
a Deus, contando-Lhe a minha necessidade, entregando-Lhe os meus caminhos, deixando-O agir conforme melhor
Lhe aprouver. Isto torna minha vontade sujeita à dEle, ao invés de, como no
caso anterior, procurar que a vontade dEle se sujeite à minha. Nenhuma oração
agradará a Deus se não for movida pelo espírito que diz: “Não se faça a minha
vontade, e, sim, a tua” (Lc 22.42). “Quando Deus concede bênçãos àqueles que
oram, não o faz por causa das orações deles, como se Ele tivesse sido
influenciado e mudado por elas; é por causa de Si mesmo, por sua própria
vontade e beneplácito soberanos. Se alguém perguntar: Qual, pois, é o propósito
da oração?, a resposta deve ser: esse é o meio e o método que Deus ordenou para
transmitir a seu povo as bênçãos de sua
própria bondade. Porque, embora tenha determinado, provido e prometido as
bênçãos, Ele deseja que Lhe sejam solicitadas; é nosso dever e privilégio pedi-
las. Quando os crentes são abençoados com o espírito de súplica, isso prediz
coisas boas, e parece provável que Deus tem em mira conceder essas boas coisas, as quais sempre devem ser
pedidas com a atitude de submissão à vontade de Deus, dizendo-se: ‘Não se faça a minha vontade, e, sim, a tua’”
(John Gill).
A distinção que acaba de ser notada tem grande importância prática
em relação à nossa paz de coração. Talvez nada há que deixe os crentes tão
perplexos como o problema das orações não
respondidas. Eles pediram algo da parte de Deus; segundo a sua capacidade
de discernir as coisas, acham que pediram com fé, crendo que receberiam aquilo
que era alvo de suas súplicas ao Senhor; pediram com seriedade, por repetidas
vezes, mas a resposta não veio. Em
muitos casos, o resultado é que vai diminuindo a confiança na eficácia da
oração, até que a esperança termina por ceder lugar ao desespero, quando,
então, já não buscam mais o trono da graça. Não é assim que acontece?
Ora, os nossos leitores ficariam surpresos se disséssemos que cada oração confiante e verdadeira,
apresentada a Deus já foi respondida?
Sem hesitação o afirmamos. Porém, ao assim dizermos, precisamos voltar à nossa
própria definição de oração. Repetiremos: Orar é vir perante Deus, contando-Lhe
a nossa necessidade (ou a necessidade
de outrem), entregando-Lhe os nossos caminhos, deixando-O agir conforme melhor
Lhe aprouver. Isso deixa nas mãos de Deus o responder à oração do modo que Lhe
agrade; e, por muitas vezes, sua resposta pode ser exatamente o oposto daquilo
que seria mais aceitável à carne. Porém, se realmente
tivermos deixado nas mãos de Deus a nossa necessidade, não deixará de haver
resposta da parte dEle. Examinemos
dois exemplos.
Em João 11, lê-se acerca da enfermidade de Lázaro. O Senhor Jesus o
amava, mas achava-se ausente de Betânia. As irmãs do enfermo mandaram um
mensageiro ao Senhor, para informá-Lo sobre o estado de Lázaro. Notemos,
especialmente, como formularam
o apelo: “Senhor, está enfermo aquele a quem amas”. Apenas isso. Não pediram
que Jesus curasse a Lázaro. Não pediram que Ele se apressasse a vir a Betânia.
Simplesmente Lhe apresentaram a sua necessidade, deixando o caso aos cuidados
dEle, permitindo que Ele agisse conforme Lhe parecesse melhor! Qual foi a
resposta do Senhor? Respondeu-lhes o silencioso apelo? Com certeza Ele o
respondeu, embora talvez não do modo como esperavam. Sua resposta foi
demorar-se “dois dias no lugar onde estava” (Jo 11.6), permitindo que Lázaro falecesse! O caso, porém, não parou aí. Mais
tarde, Jesus foi a Betânia e ressuscitou a Láza-ro. Nossa
finalidade, ao mencionarmos esse incidente, é ilustrar a atitude correta que o
crente deve assumir perante Deus, na hora da necessidade. O próximo exemplo
dará ênfase ao método de Deus para responder às necessidades de seus filhos.
Abra sua Bíblia em 2 Coríntios 12. Ao apóstolo Paulo fora conferido
um privilégio inédito. Ele havia sido arrebatado ao paraíso. Os seus
ouvidos ouviram e os seus olhos
contemplaram o que nenhum outro ser humano já vira ou ouvira nesta vida. A
maravilhosa revelação foi mais do que o apóstolo poderia suportar. O perigo era o de
ensoberbecer-se pela extraordinária experiência. Por isso, foi-lhe posto um
espinho na carne, mensageiro de Satanás,
para esbofeteá-lo, a fim de que ele não se exaltasse. Então, Paulo deixou na presença do Senhor a sua
necessidade; por três vezes rogou ao Senhor que afastasse dele o espinho na carne. Essa oração foi respondida? Sim, embora não
segundo a maneira desejada por Paulo. O “espinho” não foi removido, mas ao
apóstolo foi concedido graça para suportá-lo. O fardo não foi retirado, mas
Paulo recebeu forças para carregá-lo.
Haverá quem objete que é nosso privilégio fazer algo mais do que
meramente deixar nossa necessidade perante Deus? Haverá quem nos lembre que
Deus, por assim dizer, nos deu um cheque em branco, convidando-nos a
preenchê-lo? Haverá quem diga que as promessas divinas abragem tudo e que
podemos pedir ao Senhor o que quisermos? Nesse caso, também precisamos chamar atenção para o fato que é
mister comparar a Escritura com a própria Escritura para que conheçamos a plena
vontade de Deus em qualquer questão; e que, ao assim fazermos, descobriremos
que Deus condicionou as
suas promessas, ao dizer: “Se pedirmos alguma cousa segundo a sua vontade, ele nos ouve” (1 J0 5.14).
A verdadeira oração é a comunhão com Deus, de tal maneira que surgem
pensamentos comuns à mente dEle e à nossa, O que necessitamos é que Ele nos
encha o coração com os pensamentos dEle; e então os desejos dEle serão nossos, a fluir em direção a Ele. Aqui, pois, está o ponto de encontro
entre a soberania de Deus e a oração cristã: se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, Ele nos ouve; mas, se não Lhe pedirmos assim, não nos ouve. E, conforme disse Tiago:
“Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos
prazeres” (Tg 4.3).
Mas, não disse o Senhor Jesus a seus discípulos: “Em verdade, em
verdade vos digo, se pedirdes alguma cousa ao Pai, ele vo-la concederá em meu
nome” (Jo 16.23)? Sim, disse. Mas essa promessa não concede carta branca
àqueles que oram. Essas palavras de nosso Senhor estão em perfeito acordo com
as do apóstolo João: “Se pedirmos alguma cousa segundo a sua vontade, ele nos
ouve”. O que vem a ser pedir “em nome de Cristo”? Certamente é muito mais do
que mera fórmula de oração, mais do que simplesmente concluir nossas súplicas
com as palavras “em
nome de Jesus”. Solicitar algo de Deus, em nome de Cristo, quer dizer solicitar-lhe algo em
harmonia com a natureza de Cristo! Pedir
algo a Deus em nome de Cristo é como se o próprio Cristo estivesse formulando a
petição. Só podemos pedir a Deus aquilo que Cristo
pediria. Pedir em nome de Cristo, pois, significa deixar de lado nossa vontade própria,
aceitando a vontade de Deus!
Ampliemos agora nossa definição de oração. O que é oração? Oração
não é tanto um ato, mas uma atitude — atitude de dependência, dependência de Deus. Orar é uma confissão feita pela criatura,
reconhecendo sua própria fraqueza, sua total incapacidade. Orar é reconhecer
nossa necessidade e expô-la diante de Deus. Não estamos dizendo que isto é tudo
que está envolvido na oração; não é.
Apenas dizemos que esse é o elemento essencial e primário da oração.
Reconhecemos, sem hesitação, que somos totalmente incapazes de dar uma
definição completa da oração no espaço de uma breve frase ou até mesmo no
âmbito de qualquer número de palavras. A oração é tanto uma atitude como um
ato, um ato humano; todavia, há também o elemento divino, e é isso que
impossibilita fazer uma análise exaustiva, o que, aliás, seria uma irreverente
tentativa. Ainda que reconheçamos isso, voltamos a insistir em que a oração é,
fundamentalmente, uma atitude de dependência de Deus. Por conseguinte, a oração
é o oposto de imposição a
Deus. Visto que a oração é uma atitude de dependência, aquele que realmente ora
é submisso,
submisso à vontade divina; e submissão à
vontade divina quer dizer que ficamos satisfeitos quando o Senhor supre nossas necessidades de acordo
com os ditames de seu soberano beneplácito. E por essa razão que dizemos que toda oração feita a Deus com esse espírito traz a certeza de
receber resposta da parte dEle.
Aqui, pois, encontramos resposta para nossa pergunta inicial, bem
como a solução bíblica para a aparente dificuldade. A oração não consiste em
insistir, do Senhor Deus, para que Ele altere seus propósitos ou formule novos
propósitos. Orar é assumir uma atitude de dependência para com Deus, é
expor-Lhe a nossa necessidade, é pedir-Lhe coisas que estejam em conformidade com
a sua vontade; não há, pois, absolutamente nada que seja incoerente entre a soberania
divina e a oração cristã.
Ao encerrar este capítulo, queremos proferir uma palavra de
advertência, a fim de evitar que o leitor tire uma conclusão falsa daquilo que
foi dito. Não temos procurado sumariar todo o ensino bíblico acerca desse
assunto, nem temos procurado discutir, de modo geral, o problema da oração. Pelo contrário, temos confinado nossa atenção,
mais ou menos, a uma consideração sobre o relacionamento
entre a soberania de Deus e a oração cristã. O que escrevemos acima
tenciona ser, principalmente, um protesto contra certos aspectos de ensinos
modernos que ressaltam a tal ponto o elemento humano na oração, que o lado divino quase se perde inteiramente de vista.
Lemos, em Jeremias 10.23: “Eu sei, Ó SENHOR, que não cabe ao homem
determinar o seu caminho, nem ao que caminha o dirigir os seus passos” (compare
Pv 16.9). O homem, entretanto, em muitas de suas orações, propõe- se,
irreverentemente, a dirigir o Senhor quanto ao caminho que Ele deve seguir, quanto àquilo que Ele deve fazer, dando a entender até mesmo
que, se o homem fosse o responsável pelos acontecimentos do mundo e da igreja,
modificaria totalmente as coisas. Isso é algo inegável; porque qualquer pessoa
dotada de um pouco de discernimento espiritual não deixaria de perceber tal
atitude em muitas reuniões de oração onde impera a carne. Quão lentos somos
todos nós em aprender a lição de que a criatura altiva precisa ser posta de
joelhos, humilhada até ao pó. É exatamente nessa situação que
o próprio ato da oração procura colocar-nos. Mas o
homem, com sua usual perversidade, transforma o escabelo em trono, de onde
procura dirigir o Deus Altíssimo quanto àquilo que
Ele deveria fazer! Isso
deixa no espectador a impressão de que, se Deus tivesse a metade da compaixão
daqueles que estão orando, logo tudo ficaria em ordem! Tal é a arrogância da
velha natureza, até mesmo em um filho de Deus.
Nosso principal propósito, neste capítulo, é salientar a necessidade
de submetermos nossa vontade à vontade de Deus, em nossas orações. Contudo, também se deve acrescentar que a
oração é mais do que um exercício piedoso, sendo muito diferente da realização
mecânica de um dever. A oração, na verdade, é um meio escolhido por Deus pelo
qual podemos obter dEle o que Lhe pedimos, sob a condição de pedirmos coisas que estejam de acordo com a vontade dEle. Estas páginas terão sido
escritas em vão se não levarem tanto seu autor como seus leitores a instarem
com maior zelo do que antes: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11.1).
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