“O deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é à imagem de Deus”(2 Coríntios 4:4).
''A partir deste trecho, muitos, através dos séculos, concluíram que o mundo está sob controle de Satanás e suas hostes. Os livros tremendamente populares de muitos “guerreiros espirituais” contemporâneos contribuíram para um dualismo cósmico entre Deus e Satanás, luz e trevas, o bem e o mal. Este tem sido um aspecto do impulso gnóstico que sempre volta a aparecer, vendo este mundo como um campo de batalha cósmica entre forças espirituais cujo destino será decidido pela habilidade de terráqueos com conhecimento e destreza espiritual. Assim, “mapeamento espiritual”, promulgado por crescente número de missiólogos, tenta identificar “pontos quentes” de atividade demoníaca com o alvo de “amarrar" os maléficos opressores da região. Naturalmente, soa como algo saído de um livro medieval de superstições, mas é levado muito a sério por bom número de líderes evangélicos. Os reformadores se alarmaram com o reavivamento, em sua época ,da antiga heresia do maniqueísmo, na forma de gnosticismo que enfatizava o dualismo entre o “deus bom” e o “deus mau”. Como ressaltou Calvino com respeito a este trecho, “Paulo diz em outro lugar que ‘muitos são chamados de deuses’ (1 Coríntios 8:5) e Davi declara que ‘os deuses das nações eram demônios’ (Salmo 96:5)... Quanto aos maniqueístas esse título não sustenta mais os seus pontos de vista do que quando o diabo é chamado de príncipe deste mundo... Pois o diabo é chamado o deus deste mundo exatamente da mesma forma como Baal é chamado o deus daqueles que o adoram ou o cão é chamado o deus do Egito”. Não são na realidade deuses, mas são tratados como tais pelas 11 imaginações obscurecidas das nações. Conforme Lutero disse “O diabo é o diabo de Deus”, Calvino também argumentava que toda influência demoníaca e satânica do mal estava sob o comando soberano de Deus e está sob o controle do verdadeiro Soberano do Universo. C. Peter Wagner relata um caso em que um missionário pentecostal distribuía folhetos. A fronteira entre o Uruguai e o Brasil passava pela rua principal desta cidadezinha. Quando o missionário percebeu que os do lado uruguaio não aceitavam os folhetos, enquanto os brasileiros aceitavam, Deus lhe deu uma “palavra”: O “valente” estava amarrado de um lado, mas não no outro. Wagner oferece mais um exemplo: Omar Cabrera, de Santa Fé, Argentina, é um evangelista que leva a sério a necessidade de amarrar o valente ou quebrar o poder da hierarquia territorial. Quando ele vai a uma nova área ele se fecha sozinho num quarto de hotel por uns quatro ou cinco dias de jejum e oração intensos, Ele luta com as forças do inimigo até que identifique os valentes que dominavam o território. Então ele luta com eles e os amarra no nome do Senhor. Quando isso acontece ele simplesmente vai para a reunião e anuncia ao auditório que estão libertos. Os doentes começam a ser curados e os perdidos começam a ser salvos até mesmo antes dele pregar e orar por eles. Essa espécie de evangelismo de poder fez com que o seu movimento, Visão do Futuro, crescesse de 10.000 para 135.000 crentes em cinco anos.i Naturalmente, as Escrituras não relatam nenhum exemplo de pessoas se salvando antes de ouvir a pregação da Palavra. Até mesmo muitos títulos de livros evangélicos populares demonstram essa fascinação com a guerra cósmica que nada tem a ver com a batalha espiritual descrita na Escritura. Na Bíblia, a batalha espiritual ocorre sobre esta terra, quando Satanás tenta confundir ou diminuir no crente a confiança em Cristo e na sua justiça imputada como suficiente para a salvação. Em outras palavras, é uma batalha pelos corações e pelas mentes, e tem a ver com verdade versus erro, fé versus incredulidade, crença em Cristo versus crença em qualquer outra coisa ou pessoa. Não se focaliza em “encontros de poder” e exorcismos, mas no “valente” ser expelido por um “homem mais valente” que toma o seu lugar. Esse modismo popular tem mais afinidade com os filmes de “Guerra nas Estrelas” e é influenciado mais pelo sensacionalismo da 12 cultura popular, com sua atração pelo paranormal, do que por trechos claros das Escrituras. “Encontros de Poder” não era exatamente o que Paulo tinha em mente ao referirse a Satanás como “o deus deste século”. Ele não dizia que um bom Deus reina no âmbito espiritual enquanto um deus mau reina nas arenas “seculares” e “mundanas”. Satanás é apenas deus deste mundo no sentido que ele está sendo servido como se fosse um deus. Como ministro da ira, Satanás cegou os corações de judeus e gentios, mas é sempre dentro da permissão divina, e essa permissão poderá ser retirada sempre que Deus quiser. Não há, portanto, razão para ver este mundo como inerentemente mau, campo de batalha para o controle do planeta e do universo, cujo resultado é determinado pela habilidade de alquimistas espirituais amarrarem os demônios e fazerem o mapeamento espiritual das regiões. Embora nós, homens e mulheres pecadores, tornamos este mundo em lugar de rebeldia, maldade e desordem, Satanás não tem a mínima chance de vitória final; ele não tem, em tempo algum, vitória sobre os propósitos de Deus e nem pode frustrar os intentos de Deus (Daniel 4:34-37). Contudo, ele é incansável em tentar enfraquecer a confiança do crente na graça de Deus. A resposta a isso tem que ser um entendimento mais firme do evangelho.''
O Cristão e a Cultura Michael S. Horton Pág. 11 e 12
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